sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
O idiota e Katherine Mansfield
Depois de alguns dias nos quais a angústia e o suicídio disputaram tua alma, tu começas a abrir a porta com cuidado, a olhar ainda desconfiadamente para fora e, iludido pela lucidez que do sol emana, voltas a achar possível encontrar algum encanto na vida. Passeias, olhas, ouves e, com a habitual exceção dos passarinhos e das flores, tudo te parece bestialmente atroz, como sempre. Abres então a internet, procuras num site Katherine Mansfield e clicas em poemas. Sim, esta é a vida como deveria ser sempre, tu te dizes com aquele embevecimento que já sabias só poder provir da arte. Ah, suspiras, frases que valem todo o ouro buscado torpemente pelo homem em todos os tempos. E então vês, no rodapé de um dos poemas, a avaliação de um leitor (!!!) e a nota que magnanimamente ele deu a Katherine: cinco. Tanto sofreu Katherine, tanto duvidou, tanto enlouqueceu, tanto chorou para cavar, regar e fazer florir sempre a palavra certa - e décadas depois um idiota judiciosamente limpa a meleca do nariz com o indicador, pensa (!!!) e lhe aplica uma nota cinco. E tu, jovem ou antigo escritor, e eu, que jamais seríamos dignos de beijar os pés de Katherine, vamos voltar a pensar no quê? Na angústia, em horrendas automutilações, em suicídio? Ou nos empenharemos ainda, e mais, para quem sabe recebermos um dia desse idiota a honra de sermos lidos por ele? Dirá alguém que a opinião é livre. A burrice também, e corre solta no pasto.
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